Terminara pontualmente todo
seu atraso, julgara já ter compensado sua falta de tino por chegar com meia
hora de atraso no escritório, todavia, os olhares lançados por todos colidiam
sempre no mal estar ocasionado por tal fuga e para D. significava que deveria
proporcionar algum tipo de reparação a fim de igualar os ânimos com seus
colegas de trabalho. Por isso naquela manhã, ao invés de providenciar os
despachos, se dispusera a assentar-se na copa e degustar um chá gelado o qual
apreciava muito pouco. Todas as suas intenções diante de tal ato era parecer
acessível, coisa que não condizia com a realidade, abrindo espaço e margem para
os favores que tencionava realizar: um acréscimo de quinze minutos na pausa do
almoço, uma aceleração em alguma licitação e quando muito, pois pensava
vagamente em tal atitude, um abono de falta. Certo que não era nenhum chefe,
mas todos esses processos passavam pela sua mesa de modo que estava a par de
todas as faltas cometidas por seus camaradas, todas as vezes em que deixaram de
cumprir propriamente o que a empresa exigia. Quando a incidência não era grande
de bom grado D. deixava passar essas falhas, em parte porque não gostava de
chamá-los em sua sala para ouvir reprimendas a cerca de tal comportamento e em
outra porque nem ligava para tais coisas, a empresa queria apenas o lucro e
desta parte D. nunca se descuidava e era enfático quando alguma falta
perturbasse o bom andamento da máquina, agora quando isso não significava
grande coisa, quando muito somente uma reposição de sono ou desleixo
tranquilamente podia deixar-se passar. O fato de que naquela manhã específica
tudo estivesse nublado e os goles de vinho tivessem surtido um efeito animador
e ao mesmo tempo desesperado, se retinha ali naquela mesa onde ninguém parecia
importar-se com sua presença. D. estava cansado daquilo por isso se retirara e
não recebera ninguém, executara com extrema rapidez toda a sua rotina e viu-se
só bem no meio da máquina que devia alimentar, se surpreendeu consigo mesmo,
era ao mesmo tempo o alimento e quem alimentava a máquina, seus subordinados
apenas traziam-no as oferendas mas o próprio D. era quem devia fazer a
cerimônia e em seguida sacrificar-se em prol de seu bom funcionamento, neste
processo quem se desgastava era somente D. pois trazia consigo a dor e o insumo
para o bem da maioria, sentiu uma raiva terrível e se visse alguém era capaz de
lhe acertar um murro tamanha revolta, as pessoas que o viam como um vilão eram
as que mais se beneficiavam de sua vilania, não entendia e tampouco suportava
tal configuração mas não tinha forças para lutar contra ela, pôs de lado um
copo de rum que não tinha idéia de quando viera parar na sua mão e recostado
sobre a vidraça refletia; o que se passara? Onde deixara faltar o que não o
preenchia? Até pouco tempo sua vida era uma sombra de perfeição, incorporara
todo o espírito do século e agora via o quanto este espírito ou mais uma
edificação estava comida pela ferrugem e hora ou outra tudo iria sucumbir,
inclusive ele. Poderia ser essa constatação que gerava aquela ânsia de vazio
que lhe devorava as entranhas e crescia-lhe na garganta? Não, havia outra coisa
mais profunda, algo que não vinha dele próprio ou se viesse, sua consciência
não detectava, um tipo de parasita que passara muito tempo habitando seu corpo
e agora estava totalmente adaptado e escondido das defesas, algo com um quê de
insuperável, um abismo dentro de si que o chamava e sua voz era sedutora; o
seduzia e sua sedução era encantadora; o encantava e tal encanto era veneno; o
envenenava pois não tinha como resistir a tal veneno. De repente jogou tais
pensamentos de lado; não era correto gastar o tempo de seu trabalho nestes
absurdos, porém não podia simplesmente abandonar aquilo que sentia por aquilo
que necessitava e tinha obrigação de cumprir seus deveres, pensara que aquela
era a sua primeira falta e pra um dia que começara no devaneio cometer outro
não teria uma influência direta no seu resultado, não seria mais ou menos
errado por causa disso, ao contrário, pela causa é que estava errado e quanto
mais rápido resolvesse tanto mais rápido e eficiente poderia alimentar de novo
a máquina; pegara sua pasta e chapéu e sem se despedir de ninguém, sem bater o
ponto retornara a rua que o enxertara naquela situação; seu telefone tocara
insistentemente todo este tempo até cair na secretária eletrônica, era J. que
perguntava onde estaria na hora do almoço...
Outras fontes:
© Copyright 2013. Todos os direitos reservados.
Nenhum comentário:
Postar um comentário